domingo, 29 de outubro de 2017

(microconto) CIGARROS AFTER SEX

Deitada esperou. O corpo do desconhecido jazia inerte ao seu lado. Olhava para a pequena rachadura no teto sem piscar. Inclinou-se para fora da cama, caçou suas roupas e se vestiu. Roubou carteira, isqueiro e três cigarros. Um já queimava em sua boca quando saiu. Ela fumava um marlboro na rua como todo mundo.


HELBERT BATISTA RIBEIRO DOS SANTOS -  Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira 

(microconto)

Desde que meus pais viajaram e nunca voltaram, a casa ficou bem distante. Cada noite, eu deito na minha cama esfarrapada e me algemo à ela. 

Eu não tinha medo de escuridão, mas temia a solidão. O pensamento de ser presa em um lugar quieto era mais assustador que qualquer outra coisa. Foi até dois dias atrás, quando vi Kirkpatrick, um homem bonito com pernas que correm, amarrado a um poste único. Comecei a me ver nele. Junto com Kirkpatrick, viajamos para lugares diferentes, e pela primeira vez, eu fiquei à vontade, pois sei que amanhã Kirkpatrick me levará para um lugar aonde meus pés não podem me levar.


ABUNDANCE UZOCHI FINEMAN -  Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira

(microconto) Solução Engarrafada


Estava com um problema. A culpa era da pedra que pulou no caminho, do signo, do Zé, do tempo, das estrelas. Queria esquecer. Oração, simpatia, mandinga, álcool, chá, mel, tudo fazia milagre: disseram que ia funcionar. A solução devia vir engarrafada.


Seguiu as recomendações da bula popular e tomou a garrafadas até o problema sair para passear.



Lara Rebeca -  Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira

(micronto) ALMA INVADIDA




A natureza, ameaçando consumir-me por completo, olha-me friamente com seus fundos e roxos olhos maduros. Já as minhas janelas tornam-se para o chão tomadas pelas suas ingenuidades verdinas. A minha alma é tímida.      



Isac Lima do Nascimento -  Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira

(microconto) Procura-se a Resposta Para a Razão Última da Vida


Lutero vivia sua vida sem viver e por isso se perguntava: “Qual é o sentido do nascer, do viver e do morrer?”. Caiu no frenesi da busca incessante por algumas opiniões, por visões, por ilusões, por ações e por paixões. Nunca encontrou respostas duradouras apenas efemeridades da vida. Um dia olhando para o céu pensou: E se a razão da vida estiver fora deste mundo? A partir daí ele começou uma nova busca, mas agora na direção correta…                                                                                        Será mesmo?
                           

Será mesmo?



SAMUEL B. FIGUEIREDO -  Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira

(microconto)

Viu na universidade seu futuro. Escutou nas vozes dos mestres as teorias mais elevadas. Sentiu o gosto de saber bem mais além. Discutiu as palavras visitantes de um território que seus pés nunca alcançara. Decorou a pronúncia de nomes dos sábios desenvolvidos. Com os sentidos enevoados, procurou lembrar os santos dos seus pés de barro: deixou ali, no concreto, no caminho que o levava ao conhecimento, um aviso de uma verdade rebaixada que ficou esquecida lá atrás.


Rebecca Ribeiro - Graduanda em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira 

(microconto) Inscrição


Parou em frente ao vazio. Pensou. “Paz e amor. Keep calm. Deus é fiel. Água mole em pedra dura. #BBMP. Carpe diem. Segue o baile. Fora Temer. Luladrão, roubou meu coração. #dilmãe. Bolsonaro2018. Foco, força e fé. AJAYÔ!!!!!” Pensou. Enfim, continuou parado. Contemplou a riqueza do nada, a imensidão do vácuo. Deixou tudo como estava.




Denner Gabriel Antunes da Silva – Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira

(microconto)


A juventude teme aquele grande dia, no qual a areia da ampulheta acaba e tudo que resta de nós são apenas ossos.



Cristian Mendes Monteiro - Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira 

(microconto) Carta de um sopro de vida


Não se sabe ao certo como aconteceu. Só sabem o que viram: quando levantou, caminhou tranquilamente até o último andar e se jogou. Ninguém viu que era uma pessoa quebrada por dentro. Ninguém viu que não respirava mais direito. Ninguém viu que antes de se jogar, cruzou as mãos em sinal de desespero, de dúvida. Porém, todos viram que, no chão, desleixada como todo bom cadáver bem morto, além de uma lágrima misturada com o sangue que escorria de seu crânio, suas mãos continuavam do mesmo jeito, como que pedindo perdão fosse a quem fosse.

(microconto)

Joguei fora o sofrimento. Material reciclável. Descartei-o junto a todo o resto: lixo e mais lixo.
Ah, antes fosse – logo eu – um homem de se ater a rótulos.







Beatriz Cardoso Bastos Cruz – Graduanda em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira