Glauber Maia (Estudante de Letras) |
ESCRITOS E ESCRITAS DE ALUN(o)(a)(_)S
Este espaço tem como objetivo apresentar as produções realizadas por alunos em oficinas. Pretende ser o espaço da afirmação da subjetividade, portanto, do fortalecimento de sua autoria. "O autor é o lugar em que se realiza esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito. Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como autor ao constituir o texto como unidade, com sua coerência e completude." (Orlandi, 2007, p. 73)
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
sábado, 2 de dezembro de 2017
Sonhos engarrafados (Crônica)
Certo dia, vi um homem que cultivava garrafas. Plantou
uma árvore e, nos seus galhos, guardou sonhos mal pendurados e bebidas de
outras noites. Comecei a questionar o porquê do hábito tão incomum, visto que a
cena de uma árvore que dava garrafas parecia surpreender a todos que passam
pela frente da casa do sujeito. Seriam as lembranças tão frágeis assim? Parei
por um breve momento - que se estendeu mais do que o programado - e tentei me
recordar de situações que já me ocorreram e que, por um determinado momento da
minha vida, tiveram um significado e importância julgados infinitos por mim,
mas que atualmente se tornam obsoletos diante de todas as outras memórias e
experiências vividas nos tempos seguintes. Voltei os olhos para a árvore mais
uma vez, e comecei a imaginar sobre o que cada garrafa ali contava. Um amor
perdido, uma noite de boêmia, um bom jogo de dominó ou apenas um dia no qual a
solidão assolou e foram necessários alguns goles para o sono conseguir chegar.
É possível que uma garrafa pudesse guardar tantas lembranças?
Cansada e sem nenhuma resposta concreta, cheguei em
casa e me deitei mais um pouco pra pensar sobre o acontecido. Por que deixei
tantas lembranças de lado? Levantei, esvaziei uma garrafa e coloquei na janela.
Quem sabe eu não esqueço dessa vez.
Beatriz Cruz
(Estudante de Letras)
O gesto (Crônica)
Era um sábado de manhã, onze horas, e eu
passava na frente de um bar Estava usando roupas sujas, rasgadas, manchadas e o rosto coberto de poeira. Eu
havia acabado de acordar, tinha dormido no ponto de ônibus e estava faminto. De
imediato, percebi, que um grupo de jovens estava comendo o que parecia ser um
bolo muito saboroso. Me deleitei quando vi aquela imagem deliciosa do bolo de
chocolate com cobertura de caramelo. Eles haviam acabado de bater parabéns para
o amigo – que atendia pelo nome de Jefferson. Não resisti ao ímpeto de me
aproximar e os pedi: “Senhores, sou morador de rua, tenho 23 anos e estou morto
de fome. Por favor, vocês poderiam me dar algum dinheiro para que possa tomar
um café da manhã digno ao menos uma vez no mês?” Não contive os meus olhos e os
atirei no bolo, lindo, perfeito, tão próximo e tão distante. Nunca tinha
comemorado um aniversário nas minhas longas vinte e três primaveras de
existência, nunca pude dispor de algo assim por falta de recursos. Incrivelmente,
meu aniversário tinha passado haviam três dias – acho que, por isso, que eu
deveria estar tão fascinado com aquele bolo que nunca pude ter – e creio que
meus olhos passaram aquela mensagem, porque no segundo seguinte em que
respirei, o aniversariante, Jefferson, se levantou e deu a metade restante do
bolo para mim. Não as contive, as lágrimas rolaram pelas minhas bochechas
sujas. As pessoas ao redor, incialmente atônitas, se recompuseram no momento
seguinte, levantaram-se e aplaudiram com amor, com força, com veemência e
admiração. Naquele dia, eu aceitei o bolo e fui convidado para me sentar à mesa
com eles. Nunca soube exatamente o que motivou aquele garoto a me convidar a participar
do aniversário, talvez um aniversariante reconheça o outro, ou talvez não.
Talvez os aniversários sejam mais que uma data comercial, e
estejam aí para isso, relembrar as pessoas dos valores da vida. Sensibilizá-las
com essa comemoração e as fazer lembrar do significado do altruísmo, da
benevolência, do amor. Aquele momento me inspirou tanto, que hoje, aos 57 anos,
formado, graduado, casado e pai de dois filhos, ainda
lembro e escrevo com afeto sobre aquele dia, que fez do meu cotidiano pragmático
e massacrante algo novo, uma nova possibilidade, que abriu os meus olhos à
novos horizontes. Horizontes que me fizeram transcender a mim mesmo e a minha
realidade de desigualdades sociais que me oprimia e me acuava. Desigualdade
essa que fazia com que pessoas, como o Jefferson, tivessem 4 bolos de
aniversário no seu dia.E eu, pobre, menino de rua, ganhasse safanões da polícia
por dormir no ponto de ônibus. Mesmo assim, fui inspirado por aquele gesto do
Jefferson e, como uma águia, consegui transpor as montanhas de desigualdades
que me cercavam. Eu venci, graças ao bolo, graças ao Jeferson, graças ao gesto.
Viagem Cotidiana (Crônica)
Acordo
quase todos os dias às cinco e meia da manhã. Quase, porque existem aqueles
dias nos quais a gente acorda meio dormindo e meio que decide colocar mais meia
hora na conta do despertador. Vou trabalhar quase todos os dias. Quase, porque
têm alguns dias da semana nos quais eu não trabalho mesmo. Sou muito responsável.
No
meu trabalho, uma escola de idiomas bastante renomada, situada num bairro nobre
de Salvador, é muito comum que no dia a dia eu me depare com relatos de viagens
inesquecíveis, às vezes até contados por pessoas que nem foram na tal da
viagem:
–
Meu filho acabou de voltar do intercâmbio no Canadá. Lá ele morou num bairro
lindo, muito arborizado, vizinhança simpática. A escola então, uhh, magnífica.
Claro
que a arborização do bairro em que se vai morar no exterior é de suma
importância para o bem estar do indivíduo viajante, mas não pude deixar de notar
o quão corriqueira parecia ser a situação supracitada para aquela senhora, que
com quarenta anos ou menos – ou mais – já havia mandado dois filhos para
estudar no estrangeiro e mandaria quantos mais os tivesse, porque segundo ela
“trabalhava para isso”.
Engraçado
é que naquele momento me peguei pensando “eu também”. Eu também trabalho mandar
alguém para o exterior: eu mesma. Atrás da minha mesa inclusive, tenho um
quadro com fotos da cidade de Nova Iorque, para não me deixar esquecer os
motivos pelos quais eu enfrento horas e horas de trabalho e estudo todos os
dias. O grande problema de quem trabalha para mandar a si mesmo para um lugar
diferente é que normalmente essa pessoa também precisa manter a si mesma no
lugar de sempre. E é aí que começa o dilema:
–
Viajo e perco o trabalho?
–
Tranco a faculdade nas férias e viajo?
–
Largo tudo e caio no mundo?
–
Esqueço os planos e volto pra realidade?
Esse diálogo de mim
comigo mesma, normalmente se encerra na ultima proposição. Viajar é pra quem
pode se preocupar com a quantidade de árvores que um bairro precisa ter para
ser agradável.
Ludine Alves, graduanda do curso de Letras, Turma 3
A Árvore (Crônica)
Toda semana, cinco vezes por
semana, eu faço o mesmo caminho ao entrar e sair da faculdade. Vou por trás do
refeitório e atravesso o estacionamento que há ali, andando junto às árvores.
Duma vez, eu resolvi – não sei
bem o motivo, mas resolvi – contornar o refeitório pelo outro lado. E nesse
caminho desconhecido me deparei com uma árvore estranhíssima.
Quase sem folhas na copa, os
frutos pareciam bolas de madeira – madeira oca, suponho, pois pendiam do alto
sem pesar no fino galho que os sustentava. Pior: a copa no topo da árvore era
superada em tamanho e mistério por uma segunda copa, embaixo, quase ao pé do
tronco.
Era difícil dizer se a segunda
“copa” fazia parte da árvore ou se era uma trepadeira. Era espinhenta com uns
cachos de ricos gomos amarelos e umas poucas flores rosas (talvez vermelhas)
enfiadas entre os espinhos. Eu contei só três flores, fantásticas, selvagens,
numa economia que só fazia crescer o extraordinário do quadro.
Os galhos da possível trepadeira
eram mais como cordas que galhos. Eles se projetavam ondulantes em todas as
direções, como os tentáculos mecânicos do Dr. Octopus (aquele vilão do home maranha).
A visão com que me deparei era,
enfim, algo de outro mundo.
(A foto impressiona, mas não lhe
faz justiça, leitor. Meu monstro, temperado pelo momento da primeira visão, era
belo e terrível, como um dragão ou um grifo.)
Desde criança eu sempre amei árvores. Eu amava o pé de
tamarindo e o pé de figo da casa da minha avó, e o abacateiro bem no meio do
quintal da minha tia em Feira de Santana. Mas amava também todas as árvores (só
as palmas e os coqueiros é que não me chamavam a atenção, exceto quando o vento
os fazia curvar perigosamente na beira da praia).
Poucas vezes vi, no entanto, uma árvore tão insólita quanto
aquela do outro lado do refeitório e, em mim, a surpresa de me ver subitamente
transportada para um outro mundo se converteu em maravilhamento.
T.
Pedreira de Oliveira Britto, graduanda de Letras, Turma
3
Papel, Burocracia e Diversidade (Crônica)
“Bureaucratie” cuja raiz é
bureau(Oficina). O conceito remete à organização que é regulamentada por normas
que buscam uma ordem racional na gestão e distribuição de seus assuntos. A
burocracia também é o conjunto dos funcionários públicos, sendo que nesse
contexto tem uma conotação negativa: entende-se a administração ineficiente
resultante de toda papelada e das formalidades(…).
O Trecho
acima apresenta uma retextualização sintética para o conteúdo da página http://conceito.de/burocracia .
Hiperlynk.(...)
Estou cursando minha segunda graduação
na UFBA, Letras. A primeira foi o curso de comunicação social e, acreditem, a
diferença literal entre as duas é um “atravessar de ruas”, e sim a burocracia
mora nos dois espaços. Como foi sofrido reunir toda PAPELADA... abrir um
processo de aproveitamento de estudos em meio a toda desorganização de seus
funcionários... que se de iniciativa privada fossem, quiçá, poderíamos nominá-los
de colaboradores. Reza uma lenda que se a universidade fosse privada, haveria
uma otimização de resultados para o Estado e a Sociedade. Whatever... amo viver
a oportunidade de estar numa universidade federal, cursar e gozar da qualidade
de sua formação. Gratitude. Tenho tesão em estudar línguas e esse é o “Pico”.
Resultado: Conclui o envio e abertura desse processo citado – não foi fácil – e
o processo foi indeferido. A burocracia não considerou por exemplo que todas as
matérias ligadas a metodologia e pesquisa fossem aproveitas para eliminar a
necessidade de cursar uma matéria chamada “Técnica de Pesquisa”. Maldição!
(...)
Estava eu ali diante da primeira
reunião do diretório acadêmico dos estudantes de Letras no ano de 2017. Escrevo
assim burocrático, porque sim... os alunos também são burocráticos e isso foi
uma grande revelação de evidência nessa cena e circunstância. Motivo do
encontro: “Encontro Regional de Estudantes de 2018”... após a votação e
definição do tema “#SomosTodosLíngua entende-se a necessidade de criar um
slogan pro evento. A decisão ficou entre “o empoderamento através do
letramento” e “abraçando as letras e suas diversidades”. “Diversidade”?
Precisamos falar mais de diversidade? Logo aqui no instituto de Letras, um
local do diverso? E até quando a “diversidade” será tema de urgência? Dia
seguinte, uma professora amiga minha disse: “Toda hora é hora pra falar de
diversidade.” ALVES, Ludine. Choquei! Até ontem
entendia que isso fazia parte da deontologia básica de nossas relações. Como
não, faz-se aqui presente a minha solidariedade altruísta.
Solidariedade altruísta “MEU CLITORIS”! Eu
também sofro com a desgraça do desrespeito a diversidade... amo fazer “Cosplay”
e em casa não perco a oportunidade de me travestir. Na rua?? Imagina... o
penteado da princesa Leia(Star Wars) o qual nunca pude utilizar nas ruas... sim
tenho medo de ser agredido por intolerantes... algo no meu interior(lá ele) me
alerta para o risco de segurança a minha integridade física. Sim, há violência
contra a diversidade. Ainda não sai do armário.(...)
Acredito
que a ineficiência de resultado nas questões de diversidade, no que tange a
assimilação prática ou a espontaneidade da manifestação livre do seu ser
social, está na ausência de abraços. Precisamos de fato nos abraçar. No abraço
entre as alteridades está a chave do nosso sucesso. O seu e o meu podem ser o
nosso. E para isso estou aqui nessa fotografia do tempo, convidando você
leitor, para o próximo EREL – 2018. Desculpe a antissepsia estética do modelo.
É por demais a opressão dessas grandes estruturas... o corpo está maltratado.
Mas juro que na próxima foto apresentarei a minha Língua pra vocês. Somos Todos
Língua!
João Carvalho, graduando em Letras, Turma 3
A GAROTA DA RODOVIÁRIA (Crônica)
Lá estava ela, como em todos os outros dias, sempre com o seu fone de ouvido,
sempre séria, raramente conversa com alguém. Pela camisa do Joy Division,
suponho que seja fã do Ian Curtis. Sempre mascando chiclete. Aparentemente não
tem amigos, pelo menos é o que eu percebo nos quinze minutos que a vejo todos
os dias.
De
um certo modo, eu não conseguia tirar os olhos dela. Era como se eu estivesse
hipnotizado. Não exatamente por ela, talvez pela tristeza dela. Às vezes eu
penso que ela só esteja indisposta, talvez não goste de conversar logo após
acordar. E, talvez, ela seja feliz, extremamente feliz, mas meus olhos a veem
daquele jeito, e isso me faz refletir sobre a tristeza, e como ela está
presente em todos nós. O meu carro chega, eu entro e a garota continua sentada.
Sem despedidas, tenho certeza que a encontrarei novamente, com a tristeza de
sempre.
Tão
potente quanto a minha inércia, foi a vontade de querer ajudá-la. Eu queria
poder dizer que tudo iria dar certo, que ela não deveria ficar triste por não
ter um rosto perfeito, que ele era um babaca por não dar valor a pessoa que ela
era. Que a melhor saída nem sempre é a mais fácil, que dor de cabeça resolve
com dorflex. Caralho! Faria qualquer coisa para que
aquela garota não se sentisse tão triste.
No dia seguinte, o
celular dela toca. Eu conhecia aquela música, era Nutshell, do Alice in Chains.
Que em um dos seus versos dizia ‘’If I can’t be my own. I’d feel better dead’’.
Pronto! Aquilo tinha que ser um sinal, pausei a música que eu estava escutando
para ouvir o que ela iria dizer. As vezes escutar na voz dela, um pedido de
ajuda. Mas ela não disse nada, era apenas o alarme que ela esqueceu de desativar.
Com o passar dos dias,
acabei notando que a garota do ponto não estava mais lá. Às vezes me pegava
pensando nela, principalmente nos dias chuvosos, e, nesses dias, também pensava
se a garota sucumbira ao desejo de tirar a própria vida. Se bem que eu preferiria
não saber, me sentiria culpado.
Até que outro dia, ela aparece no ponto de novo. Fiquei bastante feliz por vê-la viva. Já a dava como morta. Ela vestia rosa, diferente do preto que costumava usar e, dessa vez, me pareceu um pouco (bem pouco) menos triste. Acabei sendo promovido naquele mesmo dia e fui transferido para outro local de trabalho. Nunca mais peguei o ônibus naquele ponto. Eu não vi aquela garota novamente, e nunca, nessa vida ou em outra, eu saberei o porquê de tamanha tristeza. Talvez eu estivesse louco, talvez ela já não existisse ou nunca tivesse existido. Talvez fosse apenas um reflexo de mim.
Até que outro dia, ela aparece no ponto de novo. Fiquei bastante feliz por vê-la viva. Já a dava como morta. Ela vestia rosa, diferente do preto que costumava usar e, dessa vez, me pareceu um pouco (bem pouco) menos triste. Acabei sendo promovido naquele mesmo dia e fui transferido para outro local de trabalho. Nunca mais peguei o ônibus naquele ponto. Eu não vi aquela garota novamente, e nunca, nessa vida ou em outra, eu saberei o porquê de tamanha tristeza. Talvez eu estivesse louco, talvez ela já não existisse ou nunca tivesse existido. Talvez fosse apenas um reflexo de mim.
Felipe Castro, graduando de Letras, Turma 3
O INVERNO EM SALVADOR (Crônica)
Um dia desses
conversando com uma amiga ao telefone, ela me disse:
- Estou com um
frio danado! Tremendo feito vara-verde!
Num um breve silêncio, pensei: “será que estamos na mesma cidade”? Até que
gosto de temperaturas baixas, mas não consigo sentir esse frio intenso na cidade onde vivo.
Minha amiga continuou:
- E você, como está nesse frio todo?
Ela estava tão atordoada com o frio que não parrava de falar:
- Menina, eu estou que não aguento! Nunca vi um frio desse em Salvador.
Ouço até o vento cantar de minha janela – disse ela.
Respondi a minha amiga que, por enquanto, não estava sentido
frio. Aproveitei
e fui logo me justificando para não parecer estranha. Disse a ela que depois de
ganhar uns quilinhos deixei de sentir frio.
No dia seguinte ligou-me outra amiga:
- Oi, amiga! Muita chuva e frio no seu bairro? Aqui está demais! Estou
usando duas blusas, meias e toda enrolada no edredrom.
- Nem tanto. Aqui tem chovido, mas sem frio - respondi.
- Ah! Sou muito friorenta! Basta chover que sinto logo frio.
- Você não está sentindo frio? Todos têm reclamado desse inverno.
Mais uma vez me justifiquei dizendo que ao engordar o frio ganhou pernas,
foi embora.
Depois da conversa concluída, fiquei refletindo se não estou mesmo caminhando
para o climatério. Se calhar é isso! Mas, especulações à parte.
Inverno é sinônimo de muita roupa, e esses dias pude constatar. Fui ao
shopping pagar uma conta e quase me esbarro numa uma moça toda equipada com sobretudo,
cachecol e botas over the knee. Tomei
um susto! O frio chegou a Salvador e eu não percebi.
O inverno em Salvador é assim, especial! Nos permite usufruir dos prazeres
do verão: caminhar na orla atlântica, saborear um acarajé ao ar livre, no Rio
Vermelho, usar roupas leves e até mesmo pegar uma prainha. Para os que gostam
de quebrar pernas e bocas de caranguejo até que dá. Sempre que passo próximo a
um restaurante do ramo, perto de casa, percebo que continua cheio mesmo no
inverno....
Enfim, o que me safa no inverno soteropolitano é o ar
condicionado.
Tessa Maria S. da S. Pisconti - Graduanda de Letras, Turma 3
Dá pra separar? (Crônica)
Agradar prontamente,
dar ordens intermitentes, não querer filho doente, ouvir sugestões dos outros,
deixar os filhos soltos, dialogar sempre, às vezes, conseguir abraçar todos os ideais
filiais. Quem é a mamãe?
É a submissa que nunca, nunca se irrita?
É a autoritária que tem voz de comando, rígida e autoritária trazendo sua
“tropa em frente, marchem!”? Ou a que deixa os filhos em casa com a babá para
ir a um “vernissage”? Quem sabe?
Podemos encontrá-la nos lugares mais
díspares, nos horários mais inusitados, a fazer algo que não se imagina: Só
mãe! Pode estar em casa, no portão da escola, na hora de acordar e também, às
sete da manhã, na farmácia, atrás daquele xaropinho para a tosse que pode
aparecer, pois chegou o inverno; no sapateiro, ao meio-dia e meia para pegar
aquele tênis que foi colocado para costurar porque, “Pérola” mordeu (Ah...
Pérola... cadela esfomeada que nos acompanha há... anos.)
Identificar um tipo
de mãe é mistéééééério. Quem mora com ela desde que nasceu e esqueceu que aos TRINTA já está complicado deixar a
cargo dela tudo que mais lhe pertence, já percebeu que mãe ADOOOOOOOOOOOOOORA
cuidar de filho. Homem, então... E, salvo, aquelas que têm um perfil mais “society”, moderna, permissiva, você
pertencerá a uma sádica, mãezona, supermãe, chantagista, mãe do santo, estrela
e, pense, estará “alimentando a cuidadora espirituosa da sua caverna de
solteirão!”.
Às vezes, ela se esquece da própria
saúde, cuidado pessoal, almoço, roupa e quem sabe de fazer a viagem dos sonhos
de Natal para cuidar do “FILHÃO”!
Bem,
pensando com distanciamento, toda mãe é um misto de carinho, cuidado, amor e
exagero. Só que não precisamos pensar muito em separar como ela é daquilo que
queremos que ela seja, se ela é NOSSA! Dá pra separar?
Mônica Pedreira - Graduanda em Letras Vernáculas -Turma 3
Sombra Coletiva (Crônica)
Quando era criança, lembro-me de nunca passar uma hora mais
prazerosa com meu pai do que quando ele tentava ver as notícias e eu o enchia
de perguntas. Apesar da inocência daquela época, tinha muita curiosidade sobre
como as coisas funcionavam e porque eram do jeito que eram. Certa feita, meu herói de capa estava sentado
no sofá, um grande charuto em suas mãos, assistindo o costumeiro jornal das
dez, quando resolvi contar para ele o que havia aprendido na escola naquele
dia.
-Hoje aprendi sobre as sombras, papai. Na verdade, fiquei
curioso e perguntei à Márcia o que as sombras eram. Mas não entendi direito.
Sem ao menos tirar os olhos do aparelho televisor, ele
respondeu automático:
-Sombra é uma imagem mal feita da gente, filho. Faz tudo que
nós fazemos, mas sem escolher o que fazer.
Apesar de ter sido automática, e para se livrar da minha
chatice habitual, essa resposta perturbou minha mente por vários dias. No dia seguinte, devido a uma falta d’água,
meu pai me levou para o trabalho com ele.
Às 07h00, entramos no ônibus exatamente com as outras
pessoas faziam.
Depois, quando soltamos, corremos para entrar numa fila de
pessoas, todas vestidas de modo muito parecido, aparentemente para dizer que
estávamos lá.
Logo após ficarmos sentados atrás de uma mesa de escritório
durante 10 horas, assim como outras dezenas de pessoas naquele recinto da
empresa, saímos apressados para repetir o processo da manhã.
Após a chegada, e após a higiene e alimentação habituais,
sentamos os dois no sofá, para completar o que parecia um ritual sincronizado
entre os adultos.
Como ainda não estava satisfeito com uma coisa que estava
martelando na minha cabeça desde o início da manhã, no ônibus, indaguei:
-Pai, seres humanos podem se tornar sombras?
Como em repetição do que havia acontecido na noite anterior,
sem tirar os olhos do jornal, o progenitor, sem dar muita atenção á minha
pergunta, respondeu:
-Claro que não, menino.
-Então por que você é sombra de tantas pessoas?
Mesmo tendo sido sem querer, pela primeira vez, consegui
fazer meu pai prestar atenção a alguma pergunta minha.
Se se passaram vários
dias.... fica estranho ser no dia seguinte
O último diálogo e a
frase final que dá o desfecho, não parecem que estão em relação direta. Precisa
resolver esta passagem da conversa do pai com o filho. A resposta profunda que
o filho deu ao pai... com o que fecha o texto. Veja que não sabemos como o pai
ficou depois da fala filosófica da criança: pensativo? Reflexivo? Bravo? Contente?
Como o pai agiu?
Fernando Queiros - Graduando Turma 3
(Crônica)
Havia um lugar mágico.
Mágico por transformar a vida das pessoas que lá entravam e lá permaneciam.
Pessoas ficavam mais magras, outras cresciam e todas elas ficavam muito felizes
com isso. Nesse lugar, havia um camarada muito gente fina, simpático e
extremamente sociável, por isso, no fim das contas, todas as pessoas
interagiram com ele. Ele era um cara extremamente marcante, não só interagia
com as pessoas sem dar uma palavra, como também interagia com seus corpos: com
os ombros, braços, pernas, costas e, acreditem se quiser: até com a cintura
dessas pessoas, no bom sentido, é claro!
Todos, geralmente,
reclamavam da dor do dia seguinte deixada por ele, mas muito interessante,
nenhuma delas deixava de novamate ir visitar aquele amigo novamente, um dia
depois de tê-lo visitado, mesmo sentindo dor.
Por que ele era tão querido? Talvez fosse a autoestima
gradual que ele conferia as pessoas, o estresse do cotidiano que ele ajudava a
extravasar, a felicidade em não estar parado ou, até mesmo, tudo isso junto, ou
quem sabe, a companhia dele era só boa mesmo.
No fim das contas, ele era
um ótimo amigo: nunca te deixando desocupado ou de mãos vazias. Seu nome era
halteres.
Certa vez, quando fui
nesse lugar, na academia, me deparei com uma cena que me deixou desconcertado:
um garoto praticava seu treino com muita voracidade com o halteres. Ele
simplesmente não parava, era como se nada, em todo o mundo, pudesse pará-lo e
desviá-lo de seu foco. Ele passava por diversos equipamentos e corria numa cama
elástica, com muito vigor, logo após acabar seus exercícios. Era muita garra,
muito foco e força de vontade.
Isso me remeteu a forma
com a qual eu devo agir em minha vida: com muita perseverança e vontade de
fazer acontecer, por mais que a vida e o cotidiano sejam pesados e difíceis de
se ultrapassar. Quando eu o perguntei como conseguia ser tão resiliente, ele me
respondeu: “tenho um objetivo e o internalizei, isso é o bastante para mim.”
E, como foi para ele, foi
o bastante para mim.
O PODER DA COR (Crônica)
A vida é sempre animada com as cores. Mesmo os idosos que eu
conheço, me dizem que eles preferem cores muito vivas ao redor deles para que
eles vivam por mais tempo e estejam sempre felizes com a vista. Mesmos quando
vou à feira, a parte que me interesse mais é qualquer parte colorida.
Foi naquele ano, eu nem posso lembrar a data própria, mas
sei que foi no mês do agosto. A Festa de Agosto como era bem conhecida. Essa
festa que é sempre cheia das pessoas. Eu tenho que ser visível, todo mundo tem
que saber que estou lá. Então, qual vestido posso usar e em qual cor será? Eu
me pergunto. Sendo uma pessoa que gosta de cores, preciso fazer uma roupa bem
colorida. Penso na cor amarela, vermelha, azul, e verde, ou seja, a combinação
de todas. Meu vestido tem que ser significativo. Por isso, a minha escolha de
tecido tem que ser baseada nessas cores; amarela que significa alegria, serei
muito feliz até o fim da festa; vermelha, embora seja associada à violência,
mas ainda simboliza a paixão e amor que eu tenho por todo mundo; azul que
representará harmonia, tranquilidade e serenidade do lugar; e finalmente, verde
que é associada à natureza, saúde, juventude, e esperança que tudo vai dar bem.
Cheguei à feira, na parte de tecidos para escolher as minhas
cores favoritas. Fiquei lá quase uma hora tentando fazer uma escolha porque
todas as cores dos tecidos que eu via me deixaram louca e confusa, nem sei o
que escolher. Essas cores são charmosas. O motivo era comprar um tecido só para
a festa, mas acabei comprando dois por causa da influência de cores sobre mim.
ABUNDANCE UZOCHI FINEMAN - Graduanda de Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira - turma 3
A pesca em Tubarão (Crônica)
Na infância gostava de ouvir minha avó contar
histórias. Uma que lembro até hoje, segundo ela, aconteceu em Tubarão, bairro
onde moro, na maré próximo a nossa casa.
– Isso aqui já
foi bom, rapaz. Agora a gente acorda 5 horas da manhã e já não pega quase nada.
Ramos continuou seu caminho, seu colega o estava
esperando próximo ao barco. Eles, assim como outros pescadores conhecidos,
tinham o hábito de usar explosivos como bananas ou espoletas de dinamite. Um
deles solta o explosivo e o outro mergulha para buscar o peixe. Eles se afastam
da praia enquanto jogam conversa fora e Ramos fuma seu charuto barato. Ouve-se
uma explosão que aconteceu não muito longe dali. Nas casas de estrutura antiga,
próximo da beira-mar, os moradores sentem o tremor. Peixes menores morrem, mas
esses não são de interesse dos pescadores, então são deixados boiando.
Eles se preparam para começar a pesca após passarem
pelo que resta dos arrecifes da beira-mar, destruídos por bombas anteriores, sabendo
que os barcos de fiscalização quase não passam por ali. Ramos acende o estopim,
enquanto seu colega que irá buscar o peixe observa à sua volta. Ao se preparar
para o barulho da explosão o colega de Ramos percebe um pouco tarde que é o
charuto que não está mais no barco.
Graziele Silva de Jesus – Graduanda em Letras
Vernáculas com uma Língua Estrangeira
O sorriso de uma flor (Crônica)
Cada dia é um conjunto de segundos e minutos,
os dias passam em um piscar de olhos, podem passar rapidamente. A gente tem que
continuar a sobreviver e passar um dia após o outro. Os dias passam mais rápido
quando se está em uma terra estrangeira. Em uma terra estrangeira, alguém se
torna uma flor entre os espinhos, como esta flor, que cresceu entre flores de
outra espécie, e para a vida dela, elas são espinhos. O fato de estas outras
flores serem diferentes as tornam espinhos. Em uma cidade estrangeira não
consigo fartar de um dia.
Essas
flores bonitinhas são a reflexão da minha vida em uma cidade estrangeira. Uma cidade
antiga, muito bonita com mistura de cultura africana, indiana e pouca de
americanas. Um ambiente cheio de memórias nos seus prédios. Salvador, uma
cidade no centro do estado da Bahia no Brasil, quem sabe, a cidade mais velha e
popular por conta de suas antiguidades.
Desde o primeiro dia em salvador eu tive experiências impressionantes e
de outras formas, à parte dos preconceitos que brasileiros têm sobre africanos,
porque sempre acham serem brancos. Parece que eles acham que África é cheio de
sofrimentos, de guerra e de pessoas analfabetas.
Eu tenho que arcar com o stress do dia a dia por
causa da comunicação. Eu sempre achei que sabia falar português, mas é sério!!!
Reparei que não é tão fácil.
Uma vez, eu quis comprar uma corda para meu Laptop e eu fiquei muito frustrada
porque eu não consegui explicar o que eu queria. Entrei em cinco lojas até que
alguém me entendesse. Os vendedores riam de mim, e eu fiquei muito chateada. Teve
um deles que tentou falar minha língua ‘Inglês’, ele disse assim “I speaks Englishe”, eu ri porque ele falava inglês
erradíssimo. Uma coisa interessante sobre essa experiência é que eu aprendi uma
nova palavra. Foi uma oportunidade a aprender na rua.
Outra vez, um outro acontecimento que
me surpreendeu. Eu entrei uma aula de comunicação em português pela primeira
vez, eu sentei ao lado de um garoto. Ele levantou do meu lado imediatamente e
foi sentar do outro lado da sala. Eu fiquei zangada e ao mesmo tempo estupefata
porque antes de sentar ao lado dele, eu havia pensando que ele tinha impressão
em seu rosto, mas eu decidi sentar para evitar discriminação. Eu pensei...quem aguenta?
Essa é só uma das várias provocações que eu enfrento dia ao dia. Eu tenho que
sobreviver assim como no caso da flor linda.
Apesar de provocações, eu fico
muito feliz porque fazem parte de um processo de aprendizagem de cultura e
língua do ambiente brasileiro. Eu como feijoada, abará, acarajé e outras
comidas brasileiras em salvador graciosamente; eu sinto o sabor que me faz
lembrar minha raiz africana. Cada dia, eu tiro mina força de fato que estou
crescendo e aprendendo. Isso para mim, é uma razão para continuar a viver.
Eu tenho uma percepção de
‘Desenvolvimento’ que será o resultado de minha estadia aqui. Quando não temos
outra opção, à parte de sobreviver, chegamos ao ponto onde nós esqueceremos os
espinhos ao redor de nós e florescer como essa flor. Nós humanos somos
configurados assim. Vou continuar a sorrir porque estou crescendo bem entre
outros humanos que eu vejo como espinhos no meu ambiente de aprendizagem.
Essa flor deixa os outros e ela cresceu
e floresceu. Ela capta tudo lá. Eu também já decidi captar tudo em Salvador: a
chuva, o sol, o frio, o quente, a bonita, o feio, então eu ficarei florescendo
e crescendo assim.
Omotola Damilola - Graduanda em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira
ESPAÇO (Crônica)
Tive que chegar para o lado pra dar
espaço pra ela. Meu espaço. Agora, nosso espaço. Minha cama é e sempre foi meu
lugar, meu abrigo e meu porto seguro, e agora me vejo chegando pro lado para
que ela possa deitar comigo. Ela tem nome: Natália. E quando a conheci, eu estava
perdida entre as idas e vindas de uma vida cheia de obrigações, sem
satisfações. E ela se fez presente, tão presente que deitou na minha cama. Meu
espaço. Estava hesitante no início, ela não só bagunçou a minha cama, mas a
minha vida. Meus horários, rotinas, viagens e planos, ela deitou na minha cama
como se fosse sua, invadiu minha casa e eu gostei disso. Eu permiti isso, eu
esperei por isso, eu contei os minutos para isso. Meu espaço, agora nosso
espaço sem espaços.
E pela primeira vez em muito tempo, nasceu pele no meu
corpo. Eu estava exposta, nua e minha pele em carne viva, mas a cada toque dela,
minha pele se refez, nasceu de novo. Minha pele era meu lençol, minha vida era
aquela cama, e seu toque me fez ficar radiante novamente. Entre tantas idas e
vindas, camas bagunçadas, pele exposta, ela ficou. Ela se fez presente na minha
cama, meu espaço, agora nosso espaço. Ela é variável, mas constante na minha
equação, minha pele, é como ar fresco, uma brisa ou um vento de final de tarde.
Natália, porque não consigo esquecer seu nome, porque marcou o meu espaço,
agora nosso espaço.
Para almas solitárias, mentes vazias,
peles expostas, um bom nome é lembrança. Algo que antes eu não tinha: alguém
para lembrar. E agora, eu lembro dela todos os dias, porque foi a única que
conheceu o meu espaço, foi a única que tocou minha essência, que refez a minha
pele. Natália sabe, mas vai descobrindo aos poucos, enquanto eu vou decifrando
seu olhar meia-lua, enquanto eu dou espaço para ela deitar. Meu espaço, agora
nosso espaço. E ninguém, além de nós, já deitou nessa cama. Natália, aqui
registro seu nome para que ela saiba que não mais existe meu espaço, nosso
espaço no qual não há
espaço entre nós.
RAFAELA PITTA BAHIENSE - Graduanda em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira
Presente sempre Presente (Crônica)
-Rá, tenho uma surpresa, disse minha mãe ao telefone num tom
embargado, Fabiano (meu padrasto) vai lhe dar aquele presente que você sempre
desejou, mas que lhe disse apenas ser possível presenteá-la quando você pudesse
ser responsável por ele. Pensei por alguns segundos e arrisquei: um
computador?! Ela sorriu e do outro lado da linha negou a minha interrogativa.
Naquele momento só pensava em algo material, palpável, contável estava prestes
a entrar no segundo grau, "precisava" de inúmeras novidades para
aquela nova etapa estudantil... Era Junho de 2002, já em recesso Escolar,
passava dias na casa de meu pai e aquela notícia viria para adiantar o retorno
ao meu lar e a curiosidade para me encontrar com o tal presente. Nos dias
seguintes insistia para que me adiantasse sobre o tal presente, e cansada de
encobrir a verdade minha mãe exclamou: é um cachorro, em breve chegara!
Lembro-me, debruçada sobre a janela daquele terceiro andar, ergui meu tronco,
arregalei os olhos, e, em alto e bom som, interroguei cética: cachorro ???.
Sim, um animal, um cachorro. Eu não imaginaria o quanto alimentar, banhar,
conversar, passear, brigar, brincar, ensinar, e tantos outros verbos se
tornariam rotinas exaustivas, intensas, aventureiras como foram por bons 15
anos... dormia aos meus pés, me acordava com uma cheirada num rosto descoberto
cheio de preguiça e remela. Revelava a cada dia o seu real tamanho... chegou
com 30 dias, desmamado e último da ninhada fora rejeitado pela mamãe, pequenino
chorava alto. De raça indefinida, possuía pelos brilhantes, negros, olhos
castanhos exalando carinho, interesse e compaixão, e um tamanho XGG, por conta
desta característica ouvi muitas vezes: Dá esse cachorro; ele não sobreviverá a
tão pouco espaço, ele vai morder/machucar vocês, maluquice ter um animal tão
grande num ambiente tão pequeno. Eu apenas ria desses conselhos mal colocados,
para uma menina que realizava seu sonho de ter um cachorro, e que não se
importava no quanto se dedicaria aquele ser, mas via nele a possibilidade de
exercitar o amor a outro que não a si mesma, poderia conversar sem ser
interrompida, chorar sem ser julgada, amada sem concepções de estereótipo ou
similaridades cognitivas humanas de valoração do outro. Sim eram 48 metros
quadrados, com um animal babão excessivo, que rapidamente alcançou 20kg e 50cm,
correndo atrás das bolinhas, roçando nas almofadas, e pedindo para passear a
cada vontade de mijar, porque, sim, ele era educado para fazer as necessidades
fisiológicas num ambiente externo ao tal 'apertamento' de conjunto
habitacional.
Pai, disse novamente minha mãe ao telefone com meu avô, sugere um nome para o nosso cachorro. Humm...
latim... gostei, vou falar com Rá, acredito q ela vai gostar. Rex, rei em
Latim, acredito que combina com ele. Sim combinou, combinava, combina... rei na
minha vida, rei da minha vida, estive distante, retornei, contei sobre a
importância dele a tantos... segurei seu corpo doente, transportei-o num
momento difícil, sua vida e sua morte eu estive ao seu lado.
Reencontraremos-nos meu rei!
Até breve! Amigo
RAELI ASSUNCAO DOMINGOS - Graduanda em Letras Vernáculas com
uma Língua Estrangeira
CURIOSIDADE (Crônica)
Eu cresci numa família cristã, uma família que acredita
apenas em Deus que mora no céu, nunca vi ou toquei, mas eu era ensinar que Ele
existe e é só um superior Deus, eu acredito. Eu também ouvi falado sobre outros
deuses que existem no mundo, mas eles, ao contrário do Deus que eu acredito.
Eu tinha curiosidade para saber mais sobre esses deuses, mas é um pecado na
minha família para falar que você quer saber sobre qualquer deus exceto o Deus
que mora no céu.
Como eu cresci, a minha curiosidade cresceu sobre esses
deuses, mas não tinha coragem para pesquisar ou perguntar alguém por causa de
medo dos meus pais. Um dia na escola,
falamos sobre várias culturas que existem na Nigéria e nosso professor falou
sobre a origem da cada cultura e os deuses por várias culturas, era uma grande
oportunidade para mim porque o professor falava também sobre esses deuses que
se chamam ORIXÁS na minha tribo que eu tinha interesse. Depois da aula, eu
pesquisei sobre os orixás sem medo dos meus pais, com meus resultados pelas
pesquisas, conhecia todos que eu queria saber sobre os orixás nunca vi
fisicamente, só nos livros.
No entanto, o que eu li tem semelhantes com a história que
eu sabia sobre o Deus superior que mora no céu. E agora eu entendi a razão por
que meus pais me impediram saber algo sobre os orixás até na igreja também, é
muito confuso e precisa muitas questões.
Agora eu sei a diferença porque eu tinha oportunidade de ler
sobre os orixás da minha cultura (raiz) e o Deus superior. Eu tenho uma
percepção sobre os orixás, conheço os nomes dos orixás diferentes e o que cada
um significa. Nós temos vários, mas os mais famosos são OGUN, SANGO, OSUN,
OXALA e mais outros.
OGUN é o deus de ferro, e as maiores das pessoas que adoram
esse deus são caçadores porque se acreditam que ogun estava um caçador na
terra. Então os caçadores oram para ele quando eles vão para caçar. SANGO é o
deus de fogo. OSUN é um feminino deus e ela é o deus de água e deus de
fertilidade. OXALA que também se chama OBATALA é o deus de luz. Acredita-se que
ele é o primeiro que veio de céu.
Finalmente, o culto de orixás é uma religião tradicional no
meu país, é uma cultura e tradição principalmente por os povos iorubas e ainda
tem iorubas que se acreditam nesses deuses, mas para mim, acho que é uma
tradição primitiva e antiga porque nessa geração as pessoas acreditam mais no Deus superior no céu.
OMOLOLA OLUWATOSIN
APOESO – Graduanda em Letras Vernáculas com um Língua Esgrangeira
INDOOR (Crônica)
Não sei se é de hoje ou de muito
antes o fato de as portas dos banheiros, no geral de espaços públicos - mais
precisamente de escolas ou universidades públicas -, assumirem a função extra
de servirem como recurso para exteriorizar pensamentos escritos à caneta. Mas
pera lá, pensando assim, à primeira vista, nos parece que a ação de disseminar
ideias através das portas de tais locais se configura em um ato totalmente
despretensioso. Não é bem assim. O problema relacionado a isso surge justamente
porque qualquer um pode expressar qualquer ideia. A verdade é que elas servem,
teoricamente, como murais democráticos. Um fato curioso é que, ao utilizarmos
um banheiro com as portas “carregadas” de ideias, ao lermos tais ideias,
involuntariamente, tentamos traçar o perfil psicológico do enunciador. Mas não
nos enganemos, pois se fazemos isso é por pura curiosidade de tentar desvendar
quem estaria por trás de tais ideias, do que por qualquer outra intenção.
Se nos interessamos pelas frases
contidas ali, podemos separá-las em categorias gerais, sendo que as mais usais,
penso eu, são: “DESABAFE AQUI!”; “PREGUE A PALAVRA DE DEUS AQUI!”; “EXPONHA
QUALQUER TIPO DE INTOLERÂNCIA AQUI!”; “COMPARTILHE SUAS IDEIAS MACHISTAS
AQUI!”... E categorias outras que são menos precisas. Desse modo, não penso que
seja loucura imaginar um tempo futuro não tão distante em que, ao entramos
nesses espaços - assim como já se observa em iguais espaços de locais privados
-, nos deparemos com a antiga “novidade” publicitária: “ANUNCIE AQUI!”. E o
mundo finalmente será apresentado mais diretamente - mas nem por isso
claramente - ao estrangeirismo indoor, ou à expressão similar, imagino. Até
porque: a cultura cria, o mercado se apropria.
Porém, voltando à ideia primeira,
não devemos esquecer ainda dos que, não satisfeitos com a “plataforma” porta, estendem
suas ideias escritas às paredes dos banheiros. Mas paremos aqui, porque sinto
que isso é problematização para outro problematizador. Portanto: CHEGA!
Rosilaine Costa –
Graduanda em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira – Turma 3
Tempo Perdido (Crônica)
Nasce, cresce, trabalha, o tempo
passa, morre. Esse é teoricamente ciclo da vida humana e, como uma boa amostra
da espécie, estava cumprindo o meu papel.
Em mais um dia dos meus próximos 40 anos, acordei ás cinco horas. Ás
cinco e um, chequei meu celular. Tomei meu banho ás cinco e trinta, chequei meu
celular ás cinco e trinta e dois, comi rapidamente ás quinze para as seis,
dirigi até o escritório ás seis. Perdi tempo, mas, uma hora de engarrafamento
depois, cheguei ao escritório. Chequei meu celular ás sete e três.
Foram nove horas digitando,
checando o celular, tomando café preto para aguentar ficar acordado, lendo,
recebendo e fazendo ligações e olhando para o relógio, rezando para o dia
acabar antes que acabasse comigo. No fim do expediente, como era sexta-feira,
tinha que ir ajudar uma filial da empresa em uma ilha perto de minha cidade.
Peguei meu carro e fui até o Ferry-boat. Visitaria minha avó, que mora numa
ilha perto de minha cidade.
Mais tempo perdido. Trinta e três
minutos de engarrafamento, vinte e três minutos de fila para embarcar e,
finalmente, entrei no barco. Sentei numa das cadeiras da embarcação, junto de
mais seres humanos. Chequei meu celular, assim como todos que podia ver ao meu
redor, exceto pelos que assistiam à televisão minúscula disponível.
Treze minutos de viagem e,
quebrando o silêncio do lugar, surge um senhor com um violão. O violão estava
com as cordas frouxas e sua voz esganiçada começou a embalar o tempo de viagem.
Cantava algo de Legião Urbana como se estivesse fazendo o concerto do ano, com
mais animação que alguém que ganhou na loteria. Passei a observá-lo, afinal,
meu celular morreu (leia-se ficou descarregado). Aos poucos, alguns passageiros
passaram a cantar as músicas com ele, outros só continuaram com o celular.
Outros, até usaram o celular para registrar o momento pitoresco.
Passou-se algum tempo, não sei
quanto, mas a viagem estava acabando. Então, cantor de Ferry-Boat pediu uma
contribuição para o trabalho dele, ganhando algumas moedas dos passageiros que
se alegraram com a intervenção. Aquele era o trabalho dele? Cantar loucamente
para animar um par de pessoas num barco em troca de moedas? Ganhou mesmo na
loteria. Enquanto todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que
passou, pareceu que ele tinha muito tempo, tinha todo o tempo do mundo.
Lara Rebeca da Mata
Santa Bárbara – Graduanda em Letras Vernáculas com uma língua Estrangeira
Vaidade (Crônica)
A vaidade é encantadora. Não me refiro
simplesmente à vaidade que te faz trocar de roupa três vezes antes de sair de
casa. Esse é apenas um traço da vaidade a qual me refiro. Me refiro à vaidade
que me obriga a procurar sinônimos para não repetir tanto a palavra vaidade só
neste primeiro parágrafo. Aquela vaidade que parece permear toda relação
humana. Ela está nos nossos passos, nos nossos olhares, nas nossas
respirações.
Pensava sobre isso enquanto alguns gelados
e derradeiros pingos de chuva caiam sobre a minha cabeça. O ar frio e o céu
cinza escuro pareciam ter despertado o meu humilde filósofo interior. Andava
sobre a calçada molhada da rua remoendo a desconfortável verdade: eu sou muito
vaidoso. Cheguei até a tentar negar o fato até que percebi o meu peitoral
estufado e a minha coluna extremamente ereta. Notei como meus passos eram
friamente calculados. Para quem eu quero mentir? A vaidade já tomou conta de
cada pedaço do meu corpo.
A vaidade me tortura. Puxa com grosseria a
memória do aperto de mão constrangedor de ontem. Já emenda com a forma como
fiquei sem graça quando encontrei uma velha e distante conhecida num ponto de
ônibus semana passada. Chego a balançar a cabeça para afastar esses pensamentos
vergonhosos. Sou do tipo que se retorce em agonia apenas com as lembranças
embaraçosas. Algumas pessoas me chamariam de tímido. Eu prefiro vaidoso.
A vaidade me acorrenta. Ela faz de mim um
escravo da aprovação alheia. Minhas ações são reguladas por inúmeras reações
que nunca existiram e que provavelmente nunca existirão. A vaidade me mantém
nesta senzala escura, úmida e abafada, longe de tudo e de todos. Uma senzala
feia e vaidosa. A vaidade é realmente encantadora.
Isac Lima do Nascimento – Graduando em
Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira - Turma 3
Uma Relação Complexa (Crônica)
Após o momento de euforia por ter sido aprovado no
vestibular em uma instituição pública, chega o momento de sentar com os pais
para ajustar todas as pendências de materiais, rotina, transporte e metas para
a vida na Universidade. E então, enquanto o primeiro dia de aula se aproximava
e a careca pós-trote iria sumindo em meio aos fios de cabelo que cresciam
disformemente devido à falta de piedade dos meus amigos em raspar minha cabeça,
a questão do transporte ainda era uma incógnita. Iria de ônibus? Iria de
carona? Iria de bike? Tudo isso me preocupava, pois embora já utilizasse ônibus
nos anos da escola, ainda tinha receios em andar de ônibus ou até mesmo andar
na rua, por conta dos traumas de assaltos sofridos. Já havia sido assaltado na
rua, já havia estado em um lugar quando ele foi assaltado, agora só faltava ser
assaltado no ônibus, “pronto, nesse ano eu não escapo! Vou desenrolar logo o
meu celular do ladrão” eu, pensei.
Em meio a esses pensamentos, a esperança surgiu ao descobrir
que havia um Buzufba que passava literalmente na porta de casa, quase um
transporte escolar só que de graça e universitário, e ainda por cima não parava
em todos os pontos de ônibus, mas somente nos pontos onde se encontram prédios
da UFBA, ou seja, diminuiria bastante a possibilidade de ser assaltado no
ônibus. Ufa! Driblei o mau agouro do assalto.
Estava bom demais para ser verdade, quando começaram as
aulas e eu comecei a utilizar o Buzufba, provei que realmente é seguro, e que,
de certa forma, os ônibus estão conservados internamente, porém, os horários de
chegadas e partidas eram uma bagunça! Ônibus previsto para 8:20 da manhã, chega
em um dia 9:00 e no dia seguinte 8:10 e isso era um atraso imenso na vida de um
estudante sem tempo! Nunca poderia ter certeza se os ônibus atrasariam ou
chegariam cedo e o intervalo entre eles é de no mínimo 1 hora. Resumo da ópera:
terei que pegar ônibus normal e o mau agouro então riu de mim! Pelo menos, não seriam todos os dias, pois no
primeiro horário das rotas os ônibus são pontuais e em alguns dias não tenho
necessidade de pegá-lo. Menos mal. Mas, um dia relatando a alguém sobre minha
relação de gratidão e revolta com os Buzufba’s, toda inocência fora tirada
quando eu disse animado:
- Foi uma bênção de Deus esse buzufba, pago nada e ainda é
seguro, pena que tem esses atrasos que me quebram.
E então essa pessoa respondeu rindo
- Paga nada e é seguro? Você tanto paga como não é seguro.
Seus pais pagam impostos que possibilitaram a existência do buzufba, e direto
acontecem assaltos, principalmente, pela manhã cedo, no horário em que você
pega.
Uma vez li alguém dizer em um artigo que o brasileiro é um
povo indeciso, pois ao entrar em um ônibus lotado, pega o único lugar sobrando,
seja ele qual for e não reclama. Mas, quando pega um ônibus com vários lugares
vazios, é um dilema complexo entre qual seria o melhor lugar a se assentar.
Seria o meu caso mais um exemplo de indecisão? Deveria estar contente porque em
meio a poucas opções ter o buzufba ou deveria estar insatisfeito com um serviço
que é do meu direito, porém é mal prestado? O homem deve ser grato por, em dias
difíceis, ter ainda coisas razoavelmente boas ou ele deve ser revoltado por
aquilo que tem não ser tão bom quanto lhe é de direito?
Então, essa é a minha relação com o Buzufba, uma relação
complexa de gratidão e insatisfação.
SAMUEL BARAUNA DE
FIGUEIREDO – Graduando em Letras Vernáculas com um Língua Estrangeira
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