Certo dia, vi um homem que cultivava garrafas. Plantou
uma árvore e, nos seus galhos, guardou sonhos mal pendurados e bebidas de
outras noites. Comecei a questionar o porquê do hábito tão incomum, visto que a
cena de uma árvore que dava garrafas parecia surpreender a todos que passam
pela frente da casa do sujeito. Seriam as lembranças tão frágeis assim? Parei
por um breve momento - que se estendeu mais do que o programado - e tentei me
recordar de situações que já me ocorreram e que, por um determinado momento da
minha vida, tiveram um significado e importância julgados infinitos por mim,
mas que atualmente se tornam obsoletos diante de todas as outras memórias e
experiências vividas nos tempos seguintes. Voltei os olhos para a árvore mais
uma vez, e comecei a imaginar sobre o que cada garrafa ali contava. Um amor
perdido, uma noite de boêmia, um bom jogo de dominó ou apenas um dia no qual a
solidão assolou e foram necessários alguns goles para o sono conseguir chegar.
É possível que uma garrafa pudesse guardar tantas lembranças?
Cansada e sem nenhuma resposta concreta, cheguei em
casa e me deitei mais um pouco pra pensar sobre o acontecido. Por que deixei
tantas lembranças de lado? Levantei, esvaziei uma garrafa e coloquei na janela.
Quem sabe eu não esqueço dessa vez.
Beatriz Cruz
(Estudante de Letras)