Lá estava ela, como em todos os outros dias, sempre com o seu fone de ouvido,
sempre séria, raramente conversa com alguém. Pela camisa do Joy Division,
suponho que seja fã do Ian Curtis. Sempre mascando chiclete. Aparentemente não
tem amigos, pelo menos é o que eu percebo nos quinze minutos que a vejo todos
os dias.
De
um certo modo, eu não conseguia tirar os olhos dela. Era como se eu estivesse
hipnotizado. Não exatamente por ela, talvez pela tristeza dela. Às vezes eu
penso que ela só esteja indisposta, talvez não goste de conversar logo após
acordar. E, talvez, ela seja feliz, extremamente feliz, mas meus olhos a veem
daquele jeito, e isso me faz refletir sobre a tristeza, e como ela está
presente em todos nós. O meu carro chega, eu entro e a garota continua sentada.
Sem despedidas, tenho certeza que a encontrarei novamente, com a tristeza de
sempre.
Tão
potente quanto a minha inércia, foi a vontade de querer ajudá-la. Eu queria
poder dizer que tudo iria dar certo, que ela não deveria ficar triste por não
ter um rosto perfeito, que ele era um babaca por não dar valor a pessoa que ela
era. Que a melhor saída nem sempre é a mais fácil, que dor de cabeça resolve
com dorflex. Caralho! Faria qualquer coisa para que
aquela garota não se sentisse tão triste.
No dia seguinte, o
celular dela toca. Eu conhecia aquela música, era Nutshell, do Alice in Chains.
Que em um dos seus versos dizia ‘’If I can’t be my own. I’d feel better dead’’.
Pronto! Aquilo tinha que ser um sinal, pausei a música que eu estava escutando
para ouvir o que ela iria dizer. As vezes escutar na voz dela, um pedido de
ajuda. Mas ela não disse nada, era apenas o alarme que ela esqueceu de desativar.
Com o passar dos dias,
acabei notando que a garota do ponto não estava mais lá. Às vezes me pegava
pensando nela, principalmente nos dias chuvosos, e, nesses dias, também pensava
se a garota sucumbira ao desejo de tirar a própria vida. Se bem que eu preferiria
não saber, me sentiria culpado.
Até que outro dia, ela aparece no ponto de novo. Fiquei bastante feliz por vê-la viva. Já a dava como morta. Ela vestia rosa, diferente do preto que costumava usar e, dessa vez, me pareceu um pouco (bem pouco) menos triste. Acabei sendo promovido naquele mesmo dia e fui transferido para outro local de trabalho. Nunca mais peguei o ônibus naquele ponto. Eu não vi aquela garota novamente, e nunca, nessa vida ou em outra, eu saberei o porquê de tamanha tristeza. Talvez eu estivesse louco, talvez ela já não existisse ou nunca tivesse existido. Talvez fosse apenas um reflexo de mim.
Até que outro dia, ela aparece no ponto de novo. Fiquei bastante feliz por vê-la viva. Já a dava como morta. Ela vestia rosa, diferente do preto que costumava usar e, dessa vez, me pareceu um pouco (bem pouco) menos triste. Acabei sendo promovido naquele mesmo dia e fui transferido para outro local de trabalho. Nunca mais peguei o ônibus naquele ponto. Eu não vi aquela garota novamente, e nunca, nessa vida ou em outra, eu saberei o porquê de tamanha tristeza. Talvez eu estivesse louco, talvez ela já não existisse ou nunca tivesse existido. Talvez fosse apenas um reflexo de mim.
Felipe Castro, graduando de Letras, Turma 3
Achei muito interessante a crônica do Felipe. Acho que ela se encaixa na crônica poema, não só porque linguagem dele é lírica, como também porque induz uma reflexão sentimental interna do leitor, que é fruto da intimidade do autor consigo mesmo. Ele conseguiu transmitir as suas sensações perante à menina.
ResponderExcluirGostei muito da crônica, já que o autor consegue captar a tristeza de forma singular e possibilita, ao mesmo tempo, uma reflexão: A nossa tristeza pode ser projetada no próximo? Acredito que possa ser classificada como uma crônica-conto.
ResponderExcluirGostei da maneira como descreve sua identificação com a garota. Legal!
ResponderExcluirGostei muito da crônica, da busca de sinais do outro e de se próprio nos pequenos gestos... Linda!
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