sábado, 2 de dezembro de 2017

Post mortem (Crônica)




Ao ir à praia, para trabalhar, achei que seria mais um dia comum. Pobre ser humano... Desta vez, me deparo com uma situação que jamais esperaria vivenciar. Todos os dias, uma família de pai, mãe e três filhos, estabelecia ponto certo em frente ao meu quiosque, para ganhar a vida vendendo acarajé e outras especiarias baianas. Sempre me desejavam ”Bom dia!“ ao chegar, e eu, graciosamente, lhes respondia. Achava interessante como eles se mantinham unidos, mesmo quando a vendagem era pouca.
Voltando ao curioso fato, nesse determinado dia, o filho mais novo, que aparentava ter uns seis ou sete anos, veio me perguntar do que eram feitas as nuvens. Curioso com a pergunta, eu questionei qual o motivo que o induzira a perguntar a mim, e não a seus pais, ou à sua irmã mais velha, que já frequentava o Ensino Médio. Ele, então, inocentemente, me respondeu que eles falaram que eu era “mais estudado”, que tinha até diploma (pobre de mim, um professor de Português que, desiludido com a carreira acadêmica, agora é dono de quiosque de praia quase falido, herdado de meus pais).
Não podia deixar que a dúvida do menino se perpetuasse. Movido, então, por tal questionamento, ergo meus olhos e vejo que já é quase noite, as muitas nuvens brancas povoam o céu azul, que ainda insiste em nos mostrar a mancha roseada, deixada pelos raios de sol. As poucas embarcações já começam a recolher suas redes, e se dirigir à costa. A maré, já baixa, revela a barreira de pedras, que “separa” o oceano da praia.
Imaginando que a real resposta para aquele menino iria além de sua compreensão, disse a ele que as nuvens eram feitas de algodão, equívoco perpetuado para toda criança, principalmente pelas canções e poesias dedicadas a elas. O garoto, sorridente, me pergunta o que há debaixo d’água. Agora sim, sendo verdadeiro, lhe digo que há uma imensidão de peixes e outros seres aquáticos, dos mais variados tamanhos e formas.
Os olhos do pequeno brilhavam, enquanto eu, com minha alma de poeta, descrevia com exatidão e complexidade o universo marinho, ao incitar em seu pensamento as mais alegres e infantis fantasias. Ao terminar, o menino sente-se cheio de si e me agradece, ao mesmo tempo que sai rapidamente, em direção aos pais; tão rapidamente, que não consigo nem lhe responder um emocionado “De nada”.
O meu dia seria feliz tal qual fora o do garoto, não fosse pela investida do rapazote, em direção ao mar, quando já fechava o bar, e os pais recolhiam suas coisas. O grito de desespero da mãe, e a corrida aos tropeços do pai, em busca de impedi-lo, ficaram nos meus olhos e na minha mente, enquanto a culpa preenchia toda a minha consciência, ao despertar naquela criança, um sonho que, para sua figura, era impossível de se realizar.
Talvez, no futuro, ele se tornasse um astronauta. Conhecesse as estrelas, as nuvens, a imensidão do vasto cosmos. Talvez ele se tornasse um biólogo marinho. Conhecesse os peixes, as algas, os recifes de corais, a imensidão do vasto oceano. Talvez, se sua vontade não fosse maior que ele próprio. Parece que, por uma infeliz coincidência, a maré aumentara, arrebatando ondas e mais ondas, levando o menino para longe de mim, dos seus pais, de tudo. O choro inconsolável da mãe, e o triste afago do pai e da irmã do garoto me deixaram anestesiado. Deveria se sentir culpado, realmente? Ou a culpa foi da criança, tola de achar que poderia conhecer o mar de tal forma? Ou dos pais, que não foram cuidadosos o suficiente para mantê-lo longe do perigo?
Já não mais importava, nada mais importava. Ele fora conhecer as nuvens. Ele fora conhecer o mar. Ele se fora.

Denner Gabriel Antunes da Silva – Graduando em Letras Vernáculas com uma Língua Estrangeira



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