sábado, 2 de dezembro de 2017

Viagem Cotidiana (Crônica)

Acordo quase todos os dias às cinco e meia da manhã. Quase, porque existem aqueles dias nos quais a gente acorda meio dormindo e meio que decide colocar mais meia hora na conta do despertador. Vou trabalhar quase todos os dias. Quase, porque têm alguns dias da semana nos quais eu não trabalho mesmo. Sou muito responsável.
No meu trabalho, uma escola de idiomas bastante renomada, situada num bairro nobre de Salvador, é muito comum que no dia a dia eu me depare com relatos de viagens inesquecíveis, às vezes até contados por pessoas que nem foram na tal da viagem:
– Meu filho acabou de voltar do intercâmbio no Canadá. Lá ele morou num bairro lindo, muito arborizado, vizinhança simpática. A escola então, uhh, magnífica.
Claro que a arborização do bairro em que se vai morar no exterior é de suma importância para o bem estar do indivíduo viajante, mas não pude deixar de notar o quão corriqueira parecia ser a situação supracitada para aquela senhora, que com quarenta anos ou menos – ou mais – já havia mandado dois filhos para estudar no estrangeiro e mandaria quantos mais os tivesse, porque segundo ela “trabalhava para isso”.
Engraçado é que naquele momento me peguei pensando “eu também”. Eu também trabalho mandar alguém para o exterior: eu mesma. Atrás da minha mesa inclusive, tenho um quadro com fotos da cidade de Nova Iorque, para não me deixar esquecer os motivos pelos quais eu enfrento horas e horas de trabalho e estudo todos os dias. O grande problema de quem trabalha para mandar a si mesmo para um lugar diferente é que normalmente essa pessoa também precisa manter a si mesma no lugar de sempre. E é aí que começa o dilema:
– Viajo e perco o trabalho?
– Tranco a faculdade nas férias e viajo?
– Largo tudo e caio no mundo?
– Esqueço os planos e volto pra realidade?
Esse diálogo de mim comigo mesma, normalmente se encerra na ultima proposição. Viajar é pra quem pode se preocupar com a quantidade de árvores que um bairro precisa ter para ser agradável.



Ludine Alves, graduanda do curso de Letras, Turma 3

6 comentários:

  1. Amei! Acredito que se encaixe na crônica resportagem? Por usar um pouco de ironia e critica a sociedade, a relação da imagem com o texto eu achei bacana.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Muito bom ver um trabalho tão bom vindo de uma colega como a Ludine. A crônica teve um pouco de crítica e terminou com uma boa dose de humor ácido. Parabéns, querida!

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  4. Achei a crônica da Ludine muito boa e coerente com a imagem. Eu incluiria esse texto no estilo da crônica reportagem, pois ela propõe uma reflexão crítica acerca da sociedade, e principalmente, dos fatos ocorridos no trabalho.

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  5. Adorei sua crônica! Tem verdade no texto. E, se eu puder dar uma dica, não se encerre na última proposição, junte cada centavo e vá porque vai valer a pena.

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  6. Muito linda a crônica... Além de trazer a crítica social às desigualdades de oportunidades e ao discurso da meritocracia (eu me esforcei para isso!), como se muitas outras pessoas (e a própria autora...) não se esforçassem cotidianamente, como retratado no início do texto... Parabéns!

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