Nasce, cresce, trabalha, o tempo
passa, morre. Esse é teoricamente ciclo da vida humana e, como uma boa amostra
da espécie, estava cumprindo o meu papel.
Em mais um dia dos meus próximos 40 anos, acordei ás cinco horas. Ás
cinco e um, chequei meu celular. Tomei meu banho ás cinco e trinta, chequei meu
celular ás cinco e trinta e dois, comi rapidamente ás quinze para as seis,
dirigi até o escritório ás seis. Perdi tempo, mas, uma hora de engarrafamento
depois, cheguei ao escritório. Chequei meu celular ás sete e três.
Foram nove horas digitando,
checando o celular, tomando café preto para aguentar ficar acordado, lendo,
recebendo e fazendo ligações e olhando para o relógio, rezando para o dia
acabar antes que acabasse comigo. No fim do expediente, como era sexta-feira,
tinha que ir ajudar uma filial da empresa em uma ilha perto de minha cidade.
Peguei meu carro e fui até o Ferry-boat. Visitaria minha avó, que mora numa
ilha perto de minha cidade.
Mais tempo perdido. Trinta e três
minutos de engarrafamento, vinte e três minutos de fila para embarcar e,
finalmente, entrei no barco. Sentei numa das cadeiras da embarcação, junto de
mais seres humanos. Chequei meu celular, assim como todos que podia ver ao meu
redor, exceto pelos que assistiam à televisão minúscula disponível.
Treze minutos de viagem e,
quebrando o silêncio do lugar, surge um senhor com um violão. O violão estava
com as cordas frouxas e sua voz esganiçada começou a embalar o tempo de viagem.
Cantava algo de Legião Urbana como se estivesse fazendo o concerto do ano, com
mais animação que alguém que ganhou na loteria. Passei a observá-lo, afinal,
meu celular morreu (leia-se ficou descarregado). Aos poucos, alguns passageiros
passaram a cantar as músicas com ele, outros só continuaram com o celular.
Outros, até usaram o celular para registrar o momento pitoresco.
Passou-se algum tempo, não sei
quanto, mas a viagem estava acabando. Então, cantor de Ferry-Boat pediu uma
contribuição para o trabalho dele, ganhando algumas moedas dos passageiros que
se alegraram com a intervenção. Aquele era o trabalho dele? Cantar loucamente
para animar um par de pessoas num barco em troca de moedas? Ganhou mesmo na
loteria. Enquanto todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo que
passou, pareceu que ele tinha muito tempo, tinha todo o tempo do mundo.
Lara Rebeca da Mata
Santa Bárbara – Graduanda em Letras Vernáculas com uma língua Estrangeira
Boa crônica. Promove uma interessante reflexão sobre a noção de tempo e como o aproveitamos no cotidiano (o que se faz pertinente ao se tratar em uma crônica). A intertextualidade foi muito bem utilizada. A foto está relacionada como o tema.
ResponderExcluirGostei da marcação inicial de ritmo no começo do conto.
ResponderExcluirAchei a crônica maravilhosa. É incrível perceber como uma rotina mecânica pode ser interrompida por uma situação tão banal, mas que, ao mesmo tempo, possibilita ao personagem um despertar para a realidade que vive. Dessa forma, creio que seja uma crônica-conto.
ResponderExcluirAchei muito boa sua crônica, tem um ritmo legal, e o olhar romântico do narrador sobre o cantor me surpreendeu por vir de alguém sem esperança.
ResponderExcluirMuito bonita esta crônica-conto em que o tempo que supostamente seria perdido em uma viagem enfadonha é aproveitado pela presença inesperada de alguém que traz musicalidade e esperança... Adorei!
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